
Quem me conhece de perto, sabe que durante muitos anos fui um atento “noveleiro”. Acompanhar a chamada “teledramaturgia” sempre esteve entre meus vícios mais ordinários.
Como eu sempre dizia para um amigo meu, ano após ano, as histórias eram extremamente parecidas em sua essência e se repetiam sempre. Apenas mudavam personagens, cenários e épocas. Claro que um expectador desatento, talvez, não enxergue tal realidade, mas histórias como “Tristão e Isolda”, “Romeu e Julieta”, “Rei Arthur”, “Robin Hood”, “Cinderela”, “A Bela e a Fera”, etc... sempre estiveram e continuarão sendo a base das novelas. Ainda que um pouco mais sofisticado e com enredos mais intrincados (influência das séries americanas onde as respostas são mais rápidas começando novos ciclos e, ainda, destaca histórias secundárias e paralelas).
Consigo enxergar a beleza de certas histórias e, não raro, referências culturais da literatura universal tais como Shakespeare, Dumas, Goethe, Camões, Eça de Queiroz e por aí vai...
E antes que eu me esqueça, o outro elemento tão importante para qualquer história, sempre é necessário um “vilão”, algo que represente o antagônico, ou seja, o outro da moeda. Afinal é preciso que haja um embate de visões e ideias (e como recentemente vimos nos filmes da Marvel, a tese do vilão, que ama profundamente sua filha, é apenas “redimir” o universo).
Contudo, ainda não cheguei ao objetivo do meu “textão” e espero conseguir até o final visto que tenho uma total desorganização de ideias.
O MITO
Joseph Campbell, “mitologista” americano, autor do livro “O herói de mil faces”, apresenta a teoria do “monomito”, que se trata da estrutura fundamental ou base das boas histórias que são contadas até hoje (mostrando porque as histórias das novelas são, de forma geral, sempre muito parecidas). Ele chama de “jornada do herói” e, sem dúvida, este herói, e através de sua saga, substitui a cobrança ou rito de passagem que teríamos que enfrentar (por isso torcemos pelo “mocinho”, mas também pela redenção do “vilão, ou ainda, pela derrota da força antagônica que impedia o herói de completar sua jornada).
“O herói mitológico, saindo de sua cabana ou castelo cotidianos, é atraído, levado ou se dirige voluntariamente para o limiar da aventura. Ali encontra uma presença sombria que guarda a passagem. O herói pode derrotar essa força, assim como pode fazer um acordo com ela, e penetrar com vida no reino das trevas (batalha com o irmão, batalha com o dragão; oferenda, encantamento); pode, da mesma maneira, ser morto pelo oponente e descer morto (desmembramento, crucifixão). Além do limiar, então o herói inicia uma jornada por um mundo de forças desconhecidas e, não obstante, estranhamente intimas, algumas das quais o ameaçam fortemente (provas), ao passo que outras lhe oferecem uma ajuda mágica (auxiliares).Quando chega ao nadir da jornada mitológica, o herói passa pela suprema provação e obtém sua recompensa. Seu triunfo pode ser representado pela união sexual com a deusa-mãe (casamento sagrado), pelo reconhecimento por parte do pai-criador (sintonia com o pai), pela sua própria divinização (apoteose), ou, mais uma vez — se as forças tiverem mantido hostis a ele- , pelo roubo, por parte do herói, da benção que ele foi buscar (rapto da noiva, roubo do fogo);intrinsicamente, trata-se de uma expansão da consciência e, por conseguinte, do ser (iluminação, transfiguração, libertação).O trabalho final é o do retorno. Se as forças abençoarem o herói, ele agora retorna sob a sua proteção (emissário); se não for esse o caso, ele empreende uma fuga e é perseguido (fuga de transformação, fuga de obstáculos).No limiar do retorno, as forças transcendentais devem ficar para trás; o herói reemerge do reino de terror (retorno, ressureição).A benção que ele traz consigo restaura o mundo (elixir).” Paginas 241–242, Campbell, 1949
INTERLÚDIO
Bom, todos sabem que não sou filósofo, teólogo ou qualquer coisa do gênero... Sou um cara comum, com ideias comuns (e, às vezes, incomuns). Como diria o saudoso Belchior, “sou apenas uma rapaz latino-americano sem dinheiro no banco...” e não quero, de forma alguma, causar algum tipo de discussão sobre o tema. Trata-se apenas de uma percepção muito pessoal sobre um tema recente.
A CONSTRUÇÃO DO “MITO”
Claro que eu chegaria ao objetivo do texto. A tentativa de criar um paralelo entre os “mitos” criados dentro do espectro político.
Veja, eu parto da tese, de que é necessário contar uma boa história para chegar às mentes das pessoas (as novelas conseguem reforçar comportamentos, ou ainda, criar novos comportamentos como o uso de “bordões” ou “gírias”, e mais, alavancar o consumo de determinados produtos de acordo com a influência dos personagens).
Deixe-me fazer um pequeno paralelo. Quem já assistiu palestras motivacionais, percebe como a “jornada do herói” está presente. Invariavelmente, contém todos os elementos: eu era pobre e fracassado, encarei o problema de frente, após muitas tentativas e erros (quebrei x vezes antes de acertar) encontrei a “fórmula do sucesso”, quase perdi tudo durante o processo (família, amigos, emprego, dinheiro); foi um caminho de autoconhecimento e “iluminação”, venci e agora estou aqui contando, por um precinho simbólico, a minha história (o “venci”, às vezes, apenas significa que virou palestrante motivacional, repetindo, ad nauseaum, aforismos de livros de autoajuda).
Voltando aos nossos “heróis”!
Cada candidato (ou conjunto de candidatos, que eu poderia chamar de “legião” [entendedores entenderão]), mais do que apresentar suas propostas (e nem sempre isso que importa), contam uma história. Portanto, entramos na seara das narrativas, e como todos sabem, as narrativas são importantes na construção de uma ideia, cultura, nação, jeito de pensar, etc.
Apenas darei um exemplo (e pegarei alguém que já está fora do pleito): Marina Silva sempre que faz considerações a respeito de si mesma, conta a mesma história (sua jornada): “nasci no Acre, fui seringueira, analfabeta até os 16 anos, me formei em história, fui vereadora, deputada estadual, senadora e ministra do meio ambiente...”
Não estou dizendo que há demérito, mas ela sabe que a “jornada” faz parte da conquista de seu eleitorado. E todos, sem exceção, exploram isso para reforçar seu capital político.
Elementos como “balas em caravana” e “facada no bucho”, apenas apimentam suas histórias e reforçam os “mitos”.
Eu, particularmente, sou cético em relação aos “mitos”, ainda que eu goste de uma boa história... Sangue, suor e lágrimas fazem parte das narrativas de cada candidato (e são os elementos catárticos com aspecto de “redentores” que mais atraem seus seguidores).
E por fim, quero levantar uma hipótese. “Mitos” ainda podem decepcionar de acordo com a percepção de cada um (é mais ou menos como se decepcionar com a conclusão daquele filme extraordinário, mas que o final foi uma “josta”) e assim, troca-se de mito ou de narrativa. Jornadas pessoais, também, farão que cada um se aproxime ou se distancie das narrativas iniciais. Afinal, a “verdade” do mito depende apenas de quem acredita nela.
Interessante!!!
ResponderExcluirValeu pelo comentário! ;)
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