sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

ESCREVENDO À FLOR DA PELE

 



Confesso! Confesso que a “folha branca” causa-me desconforto e pânico. Da mesma forma que carrego certa “síndrome do impostor”, transfiro isso para a escrita pois tenho a mesma sensação. Sensação de ansiedade, um certo stress e de que serei “julgado” pelo impiedoso tribunal dos meus leitores imaginários. Sim, meus leitores são imaginários porque talvez eu tenha, no máximo, uma meia dúzia de pessoas que levam à sério algo que eu escreva.


O fato é que quase todos os dias escrevo alguma coisa, mas não é nada sistemático. Um comentário em alguma rede social, um insight de algo que li, uma oposição a algo que não concordei...


Dizem que escrevo bem... E como todo e qualquer elogio, minha tendência é de retração. De pensar o quanto o outro está equivocado quanto ao que escrevi. E, veja, nem sempre as ideias são minhas, me apoio “em ombros de gigantes” como dizia o célebre Isaac Newton.


“Para escrever eu preciso supor que me queres
Acreditar que desejas meu corpo magro de papel
Crer que cobiças as curvas de minhas letras
E o fruto da minha mão”

 Ana Maria Netto Machado


Em parte, meu receio está em “transgredir”! Penso no título de um livro da Lya Luft (“gigante” da literatura e da escrita) que se chama “Pensar é transgredir”. Quando pensamos e quando escrevemos cometemos desatinos dentro de nós. Tais desatinos, ou transgressões, e essa é a cerne da questão, nos colocam na “berlinda” ou diante do “grande tribunal” (Ok! Entendo que esse tribunal é imaginário, também). O desabafo, o conto, o desejo, a assimetria, as contradições, as ambiguidades, tudo... podem se encontrar no texto que ao mesmo tempo alivia e pode causar desconforto. E o desconforto está em descobrir quem somos.


“É preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós.”

 José Saramago


Escrever é sair de mim mesmo e, também, mergulhar em águas profundas. “Dangerosíssima viagem” (como bem disse Drummond) para onde estão aquelas sombras.


Por isso, escrevo “à flor da pele”. Preciso “conhecer como sou conhecido”. Porque preciso ouvir minha própria voz.


Cláudio Regis

4 comentários:

  1. Escrevi esse texto em abril de 2010. Quero compartilhá-lo com você:

    Uma folha em branco

    Uma folha em branco é uma incógnita. Ela nos coloca em diálogo com o mistério. Uma folha em branco (ou um blog em preto) cala. Aceita tudo, não questiona nada, não fica envergonhada, não se cansa e, principalmente, não critica. Apenas deixa que as letras sobre sua superfície mudem toda sua história.
    Uma folha em branco é o mundo dos sentidos: quem escreve anda pelas linhas dos sonhos, desejos, amores,
    ideais, vazios e dilemas diversos, que nem sempre cabe ao leitor sondar. Escrever implica revelar-se; mostrar ao outro suas diferentes faces, sentimentos e divagações. Escrever pressupõe coragem e desprendimento. E o outro, aquele que nos lê, não sabe quem somos ou o que queremos, apenas constrói nossa feição com suas próprias tintas. Quem escreve é que, com muito vagar e sutileza, se revela, mostrando pouco a pouco seus segredos mais profundos. Escrever é uma relação amorosa, silenciosa e secreta (mesmo que publicada) entre o escritor, a letra e a palavra. É por isso que, assim como o amor, existem textos que passam tempos habitando em mim.

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    Respostas
    1. "É por isso que, assim como o amor, existem textos que passam tempos habitando em mim." - Isabelle Câmara
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      Sua conclusão é perfeita!
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      Pensamos de uma forma um tanto parecida... escrevemos porque sentimos e se sentimos, precisamos encontrar sentido!
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      De fato, há textos que habitam em nós e outros que são "exorcizados" na escrita!
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      Escrita é voz e como você bem disse, "nem sempre cabe ao leitor sondar"!
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      Obrigado pela visita e pelo comentário! Sinta-se a vontade por aqui!

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